A maioria do povo brasileiro foi surpreendido na última semana com a
imposição de uma reforma no ensino médio. Não que devêssemos esperar o
contrário de um governo oriundo de um golpe parlamentar, mas a ausência
de diálogo assustou a todas as entidades que vinham participando das
mudanças que vem ocorrendo nos últimos anos em todos os níveis da
educação.
Além de uma profunda crítica a Medida Provisória, será necessário
muita organização e luta dos trabalhadores da educação, estudantes e de
toda a classe trabalhadora que tem mais um direito sendo roubado.
A reforma vem escondida em duas medidas que parecem ser positivas: o
ensino em tempo integral e a possibilidade de aprofundamento dos estudos
em áreas de interesse dos estudantes. No entanto, seria muito mais
lógico começar a implantar o tempo integral no ensino fundamental que é o
grande funil do ensino brasileiro, principalmente no final do segundo
segmento. Já o aprofundamento dos estudos em áreas de interesses dos
alunos seria muito bem-vinda sem que isso significasse a retirada dos
conteúdos hoje obrigatórios. São esses conteúdos que são cobrados nas
provas de acesso às universidades e que permitem a alguns jovens da
classe trabalhadora ingressar nas melhores universidades do país.
A MP da reforma coloca um limite de 1200 horas, ou seja, metade da
carga horária atual (2.400h em 3 anos) para a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC). Essa limitação implica que mesmo seja implementada o
tempo integral, tudo que hoje é ensinado em 3 anos ou 2400h, será
limitado a, no máximo, 1200h.
A alteração no art. 36 LDB, através da inclusão do inciso 6o:
§ 6º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum
Curricular não poderá ser superior a mil e duzentas horas da carga
horária total do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de
ensinos.
Sobre a BNCC, ainda não há uma definição sobre como será finalizada. O
processo de discussão foi duramente criticado por vários setores da
educação. Foi iniciado durante o governo Dilma e durante o processo foi
paralisado em função do golpe institucional contra a presidente.
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional
Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem
definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de
conhecimento ou de atuação profissional:
I – linguagens;
II – matemática;
III – ciências da natureza;
IV – ciências humanas; e
V – formação técnica e profissional.
O aluno que escolher qualquer um dos itens específicos terá contato
com o conjunto de conhecimentos do ensino médio apenas em metade do
ensino médio, ficando mal preparado para as provas de seleção no ensino
superior das melhores universidades que demandam um conhecimento do
conjunto dos conteúdos do ensino médio. Além disso, é no 3o ano do E.M.
que os estudos são mais determinantes no sucesso dos alunos nas provas
de seleção.
A seguir temos o ponto da reforma que redefine o modelo do ensino
médio. Se durante as três últimas décadas lutamos para construir um
modelo universalista contra aquele da ditadura militar voltado apenas
para o trabalho e formação da força de trabalho.
§ 9º A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação a que se refere o inciso V do caput considerará:
I – a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo
ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso,
quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre
aprendizagem profissional; e
II – a possibilidade de concessão de certificados intermediários de
qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e
organizada em etapas com terminalidade.
A possibilidade de integração com o setor produtivo é bem mais
agressiva que a concentração do ensino na formação para o mercado de
trabalho. Pensa-se aqui que a experiência da atividade laboral faça
parte da formação do ensino médio. Assim, trata-se de disponibilização
de força de trabalho a baixo custo para estudantes ainda em formação no
ensino médio. Uma medida de redução de custos para o empresariado.
Considerando o artigo 2o da MP chegamos a questão do financiamento,
ponto que tem passado despercebido pelas análises da reforma.
Art. 2º A Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 10. …………………………………………………………………………………………..
XIV – formação técnica e profissional prevista no inciso V do caput do art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;
XV – segunda opção formativa de ensino médio, nos termos do § 10º do caput do art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996;
A Lei 11.494/2007 trata do uso dos recursos do FUNDEB (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação). O FUNDEB foi a principal política
desenvolvidas na última década para o aporte de recursos públicos para a
educação pública. Considerando os pontos XIV e XV que foram incluídos
na destinação de recursos do FUNDEB e que tratam do eixo
profissionalizante proposto como uma das modalidades da parte
diversificada do ensino médio e da “inclusão de experiência prática de
trabalho no setor produtivo”, respectivamente. Concluímos, assim, que os
recursos do FUNDEB podem ser utilizados para o financiamento da parte
da formação do aluno no interior de empresas. Isto é, não apenas força
de trabalho a baixo custo, pois ainda em formação, mas também,
possivelmente remunerada com recursos públicos. O texto da MP não deixa
suficientemente claro como se daria, mas abre a possibilidade de que
empresas recebam recursos do FUNDEB com a justificativa de que estão
incluídas na parte prática do ensino profissionalizante.
Outro ponto a ser destacado são os “certificados intermediários” que,
na verdade, permite que o aluno possa cursar por semestres, como ocorre
na educação de jovens e adultos. Cristaliza-se a formação parcializada
característica de modalidades de ensino semi-presenciais como o famoso
“supletivo”. Além disso, cria insegurança para os professores que podem
perder turmas caso uma quantidade significativa de alunos não opte por
continuar o segundo semestre naquele momento.
§ 14. Além das formas de organização previstas no art. 23, o ensino
médio poderá ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos ou
disciplinas com terminalidade específica, observada a Base Nacional
Comum Curricular, a fim de estimular o prosseguimento dos estudos.
Assim, permite que a lógica da “otimização” ganhe terreno. A escola
não pode ser pensada como uma fábrica em que a as salas devem estar
cheias “aproveitando” ao máximo cada professor.
A ampliação das formas de avaliação no inciso 17 do artigo 1o
permite, na verdade, uma flexibilização do modelo de avaliação,
permitindo, “mediante diferentes formas de comprovação, que o aluno seja
avaliado através de:
I – demonstração prática;
II – experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III – atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino;
IV – cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V – estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e
VI – educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias.” (NR)
O ponto VI permite que o estudante é uma aberração em si. Permitir
que se avalie a partir de educação presencial mediada por tecnologias
pode ser qualquer coisa, até mesmo prova através da internet. As
tecnologias são pensadas como mutiladoras da relação
professor-estudante, isto é, do próprio processo pedagógico.
Sobre a possibilidade de contratação de qualquer profissional para
dar aulas no ensino médio, sem ser formado em alguma licenciatura vale
ler o artigo “‘Notório saber’: vire professor em 5 semanas”. A maior
oferta de profissionais, ainda mais em tempos de crise econômica, será
mais um fator a forçar para baixo os salários dos professores, seja do
ensino público ou privado. Além da rotatividade e falta de preparo
adequado, precarizando ainda mais a educação.
Em apenas uma canetada o atual governo quer destruir a luta de uma
geração por uma educação de qualidade, gratuita e universal. Desde o
período final da ditadura empresarial-militar os movimentos organizados
da classe trabalhadora colocaram a educação como um dos pontos centrais
do seu programa para a transição à democracia representativa. Muitas
lutas permitiram chegar a criação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Além
dos massacres sobre os movimentos populares que tentaram resistir à onda
de privatizações e a imposição do seu programa de arrocho sobre os
trabalhadores, FHC cortou a LDB pelo cordão umbilical pois impediu que
fossem destinados os 7% do PIB para a educação, como se defendia na
época. Agora, ainda sem garantir os recursos necessário para fazer a
educação funcionar o governo Temer quer desmantelar o que foi
conquistado com aquelas lutas. Ainda que o PT também seja responsável
pelo que está acontecendo em função de ter escolhido governar para e
junto com a burguesia, este é o momento de juntar forças com quem quer
que seja na luta contra a reforma do ensino médio. Os estudantes
secundaristas e profissionais da educação de todo o Brasil, certamente,
terão um protagonismo fundamental nessa luta, sem o qual estamos fadados
a sofrer uma das piores derrotas no âmbito da educação nos últimos 30
anos.
Autor: Anderson Tavares (C.B – U.C -RJ)
Retirado de: https://pcb.org.br/portal2/12348
Fontes:
LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
LEI Nº 11.494, DE 20 DE JUNHO DE 2007, regulamenta o uso dos recursos do FUNDEB.
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 746, DE 22 DE SETEMBRO DE 2016.
Artigos consultados:
“‘Notório saber’: vire professor em 5 semanas”, Blog do Freitas. Retirado de:
“Notório saber”: vire professor em 5 semanas
“Notório saber”: vire professor em 5 semanas
“Reforma de ensino médio do (des) governo de turno: decreta-se uma escola para os ricos e outra para os pobres” Retirado de:
http://www.anped.org.br/news/reforma-de-ensino-medio-do-des-governo-de-turno-decreta-se-uma-escola-para-os-ricos-e-outra
http://www.anped.org.br/news/reforma-de-ensino-medio-do-des-governo-de-turno-decreta-se-uma-escola-para-os-ricos-e-outra
http://csunidadeclassista.blogspot.com.br/2016/10/a-reforma-de-temer-ou-destruicao-do.html