quarta-feira, 20 de julho de 2016

“Escola sem partido”, escola silenciada

Como surgiram projetos que ameaçam professores até com prisão. Por que sua proposta, contrária a ideologias é primária, silenciadora de opiniões divergentes e, no fundo… profundamente ideológica.
O artigo é de Cleomar Manhas, assessora do Inesc e doutora em educação pela PUC/SP, publicado por Outras Palavras, 05-07-2016.
Eis o artigo.
O que seria a tão falada, e pouco explicada “escola sem partido”? Basicamente, trata-se de uma falsa dicotomia, pois não diz respeito à não partidarização das escolas, mas sim à retirada do pensamento crítico, da problematização e da possibilidade de se democratizar a escola, esse espaço de partilhas e aprendizados ainda tão fechado, que precisa de abertura e diálogo.
A pauta que precisamos debater é a da qualidade da educação, e não falácias ideológicas sobre a “não ideologização da escola”, algo que se vê até mesmo em alguns diálogos sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O Plano Nacional de Educação foi aprovado há dois anos. Durante sua tramitação, uma das polêmicas suscitadas foi acerca da promoção das equidades de gênero, raça/etnia, regional, orientação sexual, que acabou excluída do texto do projeto. Por consequência, isso influenciou a tramitação dos planos estaduais e municipais, que também sucumbiram ao lobby conservador e refutaram qualquer menção a gênero, por exemplo, difundindo a falsa tese da aberração intitulada “ideologia de gênero”. Isso causou uma confusão deliberada entre uma categoria teórica e uma pretensa ideologia.
Marivete Gesser, do Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional da Universidade Federal de Santa Catarina, explica que “gênero pode ser caracterizado como uma construção discursiva sobre nascer com um corpo com genitália masculina ou feminina” e, por meio de normas sobre masculinidade e feminilidade, vamos nos construindo como sujeitos “generificados”. O preconceito vem dos discursos que naturalizam os lugares sociais de homens e mulheres como únicas representações, e segregam qualquer outra forma de manifestação. Além disso, em pesquisa realizada por estudantes do ensino médio em Brasília, feita no âmbito do projeto Educação de Qualidade(Inesc/Unicef), constatamos que uma das razões do abandono escolar é a discriminação relativa ao público LGBTI. Razões mais do que suficientes para discutirmos gênero nas escolas.

Qual a ligação entre esses dois temas, “escola sem partido” e “ideologia de gênero”, em momentos tão distintos? O que parece ter diferentes motivações e origens resulta dos mesmos elementos: os fundamentalismos conservadores que tentam passar às pessoas suas ideologias e crenças. Afinal de contas, não são apenas os pensamentos marxistas que são ideológicos, como tentam fazer crer os defensores da “escola sem partido”. Sendo assim, o que significa ideologia então?
Um dos conceitos mais difundidos é o de Karl Marx em parceria com Friedrich Engels, na obra a Ideologia Alemã, em que afirmam ser a ideologia uma consciência falsa da realidade, importante para que determinada classe social exerça poder sobre a outra, bem como a necessidade de a classe dominante fazer com que a realidade seja vista a partir de seu enfoque.
O conceito, no entanto, sofreu inúmeras interpretações, como a de Lênin para a ideologia socialista, como forma de definir o próprio marxismo. Portanto, há ideologia nas diferentes formas de ver e conceber o mundo. Não existe neutralidade. Quando defendem a “não ideologização”, em nome dessa pretensa neutralidade, também estão impregnados de ideologia.
Os teóricos do projeto “escola sem partido” advogam a neutralidade e se dizem não partidários. No entanto, suas intenções são claras: a retroação dos avanços que tivemos nos últimos tempos, especialmente com relação aosdireitos humanos. Por exemplo, quando dizem lutar contra a doutrinação, uma das situações apresentadas no site do movimento da “escola sem partido” é um seminário realizado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados sobre direitos LGBTI e a política de educação. Eles citam esse caso como uma afronta ao artigo 12 daConvenção Americana sobre Direitos Humanos, afirmando que pais e seus filhos têm que ter uma educação moral de acordo com suas convicções. É uma deturpação do citado artigo, que diz respeito à liberdade religiosa que deve ser respeitada individualmente. Além disso, manipulam e fazem confusão deliberada com a discussão realizada no seminário, que reafirmou a importância de se debater questões de gênero e de sexualidade nas escolas, para que as diferenças não sejam transformadas em desigualdades.
Em outro momento, dizem que os alunos (a quem chamam de “vítimas”) acabam sofrendo de Síndrome de Estocolmo, ligando-se emocionalmente a seus algozes (“professores doutrinadores”). Nesse caso, os estudantes se recusariam a admitir que estão sendo manipulados por seus professores e sairiam furiosos em suas defesas. Para exemplificar, citam momentos identificados como “monstro totalitário arreganha os dentes” e chamam os estudantes de soldadinhos da guarda vermelha.
Em um dos livros desse movimento, é passada a noção de que o professor não é um educador, separando assim o ato de ensinar (passar conteúdos) e educar. O/A professor(a) deveria estar ali apenas para passar conteúdo sem crítica, problematização ou contextualização, em um ato mecânico. Paulo Freire é demonizado como o grande doutrinador – justo ele, que construiu uma obra toda para combater doutrinações.
Esse movimento da “escola sem partido” nasceu em 2004 e não gerou muitas preocupações, porque parecia muito absurdo e coisa pequena. No entanto, tem tomado corpo e crescido, na mesma toada de movimentos fascistas tais como ‘revoltados online’, responsável por apresentar recentemente a proposta da “escola sem partido” ao ministro da Educação do governo ilegítimo. Aliás, é bom dizer que foi a primeira audiência concedida pela pasta da Educação nesta gestão ilegítima. E em vídeo, os criadores da “escola sem partido” e do “revoltados online’ explicam que criaram tais coisas a partir de motivações pessoais. Ou seja, eles tentam impingir ao país projeto com base em impressões e vivências individuais.
A proposta foi apresentada em forma de projeto pela primeira vez no Estado do Rio de Janeiro, pelo deputado Flávio Bolsonaro. A segunda vez foi no Município do Rio de Janeiro, pelo vereador Carlos Bolsonaro – ambos filhos do deputado federal Jair Bolsonaro. E tal proposta já se espalhou por diversas câmaras municipais e assembleias legislativas. Em âmbito nacional, o deputado Izalci (PSDB/DF) apresentou o PL 867/2015 à Câmara Federal, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Dentre várias questões, o artigo 3º do referido projeto diz o seguinte: “Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.” O que viola tais convicções provavelmente será julgado de acordo com o que e com quem quiserem criminalizar. O projeto ainda levanta uma polêmica do século XIX quando se discutia a dicotomia família e escola, o que deveria estar superado no século XXI.
Há vários projetos tramitando apensados a esse, ainda mais perversos. Um deles, do deputado Victório Galli, doPSC/MT, proíbe a distribuição de livros didáticos que falem de diversidade sexual. E há ainda o projeto de lei 1411/2015, do deputado Rogério Marinho PSDB/RN, cujo relator é o mesmo deputado Izalci. Esse projeto tipifica o crime de assédio ideológico, que, de acordo com o projeto, significa: “toda prática que condicione o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou qualquer tipo de constrangimento causado por outrem ao aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente.” E diz ainda que o professor, orientador, coordenador que o praticar dentro do estabelecimento de ensino terá a pena acrescida de um terço. Ou seja, a s opiniões fora da escola, tais como nas redes sociais, poderão penalizar o profissional da educação também.
O movimento criou recentemente uma “associação escola sem partido” para ter uma entidade com a qual pudesse recorrer à Justiça em casos que julgasse relevantes. E a primeira ação por eles promovida foi contra o INEP, devido ao tema da redação do Enem de 2015, que tratava de violência contra as mulheres, tema que julgaram doutrinador e partidário. A violência contra as mulheres é reconhecida como grave problema em diversos tratados internacionais dedireitos humanos, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), aprovada pela ONU em 1979, e outros que a seguiram. No Brasil, a cada 4 minutos uma mulher dá entrada no SUS por ter sofrido violência física, e 13 mulheres são assassinadas a cada dia – uma a cada 1 hora e 50 minutos. A violência está inclusive nas próprias escolas, como demonstrou a iniciativa “Meu professor abusador”.
Há vários ovos de serpente chocando no momento, em diversos locais, seja no âmbito dos legislativos municipais, estaduais ou nacional, e mesmo nos Executivos, e não temos garantias de que o Judiciário irá barrar tais aberrações. Portanto, nossa única arma é a manifestação, a nossa presença nas ruas e a disseminação de informações a um público maior possível, já que é na internet e em redes como whatsapp que esses grupos têm angariado seguidores, muitos deles muito jovens. É preciso promover debates que esclareçam essas situações que estão amadurecendo na surdina, com pessoas que não nos representam, mas estão em cadeiras que permitem tais movimentos.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/557389-escola-sem-partido-escola-silenciada

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Estudantes dão aula de luta e participação democrática

Onde e quando começou é difícil precisar. Só sabemos que começou, cresceu, aumentou, ficou cada vez mais forte, está tomando o País. Os estudantes vão ocupando as escolas, as ruas, dando exemplos de luta e determinação em um movimento que tende a se expandir.
Em 2013 eles foram às ruas contra o aumento das passagens de ônibus. Em pouco tempo, o movimento se ampliou e deixou de ser por apenas 20 centavos. Melhorias na educação e nos serviços públicos passaram a constar da pauta que levou milhões de estudantes e trabalhadores às ruas.
Ano passado, os estudantes de São Paulo ocuparam as escolas contra projeto do governador Alckmin de reorganização das escolas, que em verdade pretendia fechar unidades, aumentar o número de estudantes por turma, demitir professores e funcionários do apoio. O projeto foi arquivado. Vitória!
Neste ano o movimento se ampliou e começa a ocupar o país: São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Ceará, Paraná, Rio Grande do Sul. Os estudantes estão mobilizados país afora, apesar da repressão policial comandada por governadores descomprometidos com a educação pública de qualidade.
A escola capitalista é uma grande reprodutora de desigualdades e opressões. No Rio de Janeiro, assim como na maior parte do Brasil, se aposta em um modelo de escola pública sucateada, de baixa qualidade, com profissionais mal pagos e com rápida formação dos estudantes filhos das classes populares. O aumento dos investimentos e valorização da escola pública está subordinado à “suspeitos” planos de metas meritocráticos, segregando a maior parte das escolas, alunos e professores.
Corrupção e descaso
O caso das merendas em São Paulo é significativo. Preços superfaturados permitiram propinas para integrantes do governo estadual e de 22 prefeituras. O próprio presidente da Assembleia Legislativa, deputado Fernando Capez (PSDB), bem como alguns dos seus assessores, estariam envolvidos.
A contrapartida está resumida na frase do crítico gastronômico Jota Bê, ouvido pela revista ‘Trip’ para avaliar a qualidade da merenda: “Pior do que isso só se estiver estragado”, disse ele.
Escolas sujas, caindo aos pedaços, equipamentos defeituosos, materiais esportivos e pedagógicos abandonados, salários baixos para os profissionais, exclusão da comunidade acadêmica e da sociedade das tomadas de decisão, essas são as condições na maioria das escolas públicas. As ocupações têm denunciado essa dura realidade. Os estudantes estão limpando, arrumando, reformando muitas dessas escolas, com apoio dos pais e da comunidade.
Outras ameaças que pairam sobre a educação pública são a privatização, já em curso em vários estados, e a censura ao pensamento crítico, impedindo o debate filosófico, político, ideológico e criativo, justamente nos locais onde o conhecimento se faz mais necessário. A burguesia pretende transformar o ensino público em um negócio lucrativo, que gere lucro e produza mão de obra barata para garantir a mais valia.
Na contracorrente dos planos oficiais, os estudantes lutam pela qualidade do ensino, em defesa da educação pública. Reivindicam professores, democracia, participação, salas de aulas com menos gente e em melhores condições, boas refeições etc.
É emocionante ler e ouvir os depoimentos desses jovens, a grande maioria moradores das periferias, filhos de trabalhadores de baixa renda, com disposição de luta e crescente conscientização acerca da necessidade e do direito de estudar em escolas democráticas e de qualidade. Estão aprendendo e ensinando que só a luta muda a vida.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Abaixo as agressões físicas e mentiras da diretoria da APEOC

Os professores da Educação Básica do Estado do Ceará estão em greve desde o dia 25 de abril contra a intransigência do governo Camilo Santana (PT). Depois de seis meses da data base da categoria, prevista para janeiro, os professores receberam, no dia 06 de junho, o ultimato de ZERO reajuste salarial e ainda passaram a sofrer ameaças de corte de salários, punições administrativas e suspensão das férias.
No dia 27 de junho foi convocada mais uma assembleia da categoria para discutir os rumos do movimento diante dos ataques e ameaças de Camilo Santana. Ao chegarem ao Ginásio da Parangaba, em Fortaleza, os professores se depararam com um aparato repressivo composto por sessenta bate-paus contratados e orientados pela diretoria do sindicato para provocar professores de base e estudantes presentes à assembleia.
A diretoria da APEOC proibiu dezenas de estudantes, que desde o início apoiaram a greve e estão à frente da ocupação de mais de sessenta escolas em todo o Estado do Ceará, de entrarem pacificamente no local da assembleia. Isso é ainda mais absurdo, considerando que desde o início da greve, vem sendo garantido espaço para os estudantes nas assembleias de professores, inclusive com direito a fala.
Enquanto alguns professores tentavam negociar a entrada dos estudantes, dezenas de seguranças foram postados na frente dos portões do ginásio. Neste momento, os estudantes, começaram a pular espontaneamente os portões, sendo recebidos a socos e pontapés pelos seguranças. Pelo menos quatro menores de idade ficaram feridos.
Vários professores tentaram impedir que os seguranças continuassem espancando os estudantes, mas também foram agredidos. Um professor, que tem mais de setenta anos, levou uma tapa. Uma professora teve um dedo quebrado. E outro professor teve os óculos quebrados e o rosto traumatizado por socos.

Independentemente da ação intempestiva dos estudantes, que antes de pular o muro soltaram rojões fora do ginásio, é inadmissível que uma assembleia de professores seja cercada de dezenas de capangas com ordem expressa de intimidar e agredir estudantes e professores de base.
Para a diretoria da APEOC, os estudantes são marginais a serviço de uma suposta conspiração da oposição para agredir a diretoria da APEOC e os professores contrários à continuidade da greve. As notas emitidas pela CNTE e pela CUT sobre o episódio reproduzem esta mentira deslavada. Mas os fatos não mentem: nenhum dirigente sindical ou professor contrário à greve foi agredido.
O Movimento de Oposição Sindical e a Rede de Zonais dos Professores em Greve encaminharam os professores e estudantes agredidos para registrarem Boletim de Ocorrência e realizarem Exame de Corpo e Delito. Também buscaram apoio da Defensoria Pública e do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA) para dar encaminhamento à denúncia jurídica contra a diretoria da APEOC.
Esse lamentável episódio não pode passar em brancas nuvens! Não podemos tolerar que a diretoria de um sindicato de professores mande bater em estudantes menores de idade e em professores de base!
Reivindicamos que o movimento sindical, estudantil e popular do Brasil, da América Latina e de todo o mundo se pronunciem enviando moções de repúdio ao Sindicato APEOC, com cópia para o Movimento de Oposição Sindical (MOS), Defensoria Pública do Estado do Ceará e CEDECA-CE.
A greve continua! Camilo, a culpa é sua!
Responsabilização política e jurídica da diretoria da APEOC pelas agressões físicas!
Fora os capangas da APEOC das assembleias dos professores!