No processo de constituição da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte ocorre, a partir de 1982, no contexto de transição do Estado autoritário para o Estado de direito, um movimento de abertura da escola à participação popular com a criação do Colegiado Escolar e da Assembléia Escolar nas unidades de ensino
[1] e de inversão da lógica de análise do fracasso do aluno, que passa a ser compreendida como um fracasso da escola na relação com as camadas populares.
Diante da efevercência do movimento social em defesa da escola pública de qualidade aconteceram dois importantes eventos em Minas Gerais nesse período: o Congresso Mineiro em Educação, em 1983, e o I Congresso Político-Pedagógico da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, em 1990. Os temas pautados nos dois congressos, que contou com a participação de pais/mães, estudantes e trabalhadores/as da educação, envolveram a reflexão sobre a função social da escola pública, o direito de acesso e permanência, o direito à aprendizagem, a gestão democrática, a valorização dos/s profissionais. Além disso, foram debatidos diversos aspectos da vida escolar, entre eles o número de estudantes; o número de estudantes por sala de aula; tempo coletivo de estudo; critérios para distribuição de aula, entre outros.
O I Congresso Político-Pedagógico definiu diversos eixos da política educacional, como a gestão democrática, as condições de trabalho (materialidade, quadro de pessoal, número de estudantes por turma/série) e a formação continuada e em serviço, que originou a criação do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (CAPE), em 1991. A maioria das resoluções desse I Congresso foi incorporada no capítulo referente à educação da Lei Orgânica do Município, votada no final de 1990. Entre elas destacamos o quantitativo de estudantes por turma, a prioridade da educação em tempo integral, a gestão democrática com eleição para direção das escolas e as Assembléias Escolares como instâncias máximas de deliberação das escolas municipais.
Esse período ficou conhecido como movimento de renovação pedagógica e coincidiu com a reorganização da organização sindical no país. Durante o período de 1982 a 1992, foram construídas inúmeras propostas de trabalho nas escolas municipais. Algumas dessas experiências expressas em documentos governamentais e/ou explicitadas nas escolhas políticas encaminhadas pelas administrações, e repercutiram nas políticas governamentais e nas reivindicações profissionais, no período de 1993 e 2007. A Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte participou ativamente desse processo. Várias experiências pedagógicas inovadoras foram gestadas. A participação popular paulatinamente foi sendo implementada através da constituição dos Colegiados e Assembléias Escolares e da realização, em algumas unidades, de eleições para direção de escolas.
A luta pela democratização das escolas iniciou-se sob a concepção de direção colegiada, com a participação de todos os segmentos, com instâncias como: as Assembléias Escolares e os Colegiados Escolares e a escolha das direções através da eleição realizada pela comunidade, pois as direções, até então, eram indicadas por políticos majoritários das regiões da cidade.. A concepção de gestão democrática compreendia a participação da comunidade na elaboração do Projeto Pedagógico da Escola, a consolidação dos Colegiados Escolares, a ampliação das dotações das Caixas Escolares, e as Assembléias Escolares, com poder de deliberar sobre um grande número de assuntos, ampliando a participação da comunidade na gestão escolar (CASTRO, 2000).
As escolas municipais Levindo Coelho, Isaura Santos, Luiz Gatti, Pedro Guerra e Geteco, à revelia da legislação, elegeram em 1985, as suas direções escolares, fruto desse movimento no interior das escolas.
Como represália ao movimento grevista, realizado pelos/as profissionais da Rede em 1988, o prefeito Sérgio Ferrara destituiu a direção de algumas escolas, indicou interventores e demitiu professores/as. A categoria resistiu aos ataques, conseguiu reverter as demissões e as intervenções nas direções de escola e, negociou com os candidatos a prefeito, Pimenta da Veiga e Virgílio Guimarães[1], o compromisso de anistiarem as punições impostas aos grevistas, tais como o corte de pagamento e processos administrativos.
Em 1989, a nova gestão eleita comprometeu-se em reforçar os Colegiados e as Assembléias Escolares
[2], consolidar a eleição para direção das escolas e incentivar a construção coletiva dos projetos político-pedagógicos, como instrumentos de gestão democrática e participação popular. A escola é vista, sobretudo, pelas suas potencialidades e não pelos seus déficits.
A grande polêmica naquele momento e, certamente, permanece ainda hoje, refere-se aos critérios das candidaturas para as eleições de direção de escola e de quem pode votar. Desde a primeira Conferência Municipal de Educação, realizada em 1998, a Rede defende o voto universal e o direito de todos/as os/as funcionários/as das escolas, pais e mães candidatarem-se ao cargo de diretor/a e vice-diretor/a. Esta proposta foi aprovada na conferência de 2004, mas como o relatório final do evento ficou sob a responsabilidade da SMED, o governo alegou a existência de polêmica sobre o resultado da votação e determinou que permanecesse a definição da I Conferência.
A partir de 2003, enfrentamos duas novas alterações. A primeira compreende a polêmica da alteração da duração do mandato. Em 2004, o CME enviou à Câmara Municipal uma proposta de alteração da Lei Orgânica do Município, passando o mandato das direções escolares para três anos, com direito a uma recondução. O governo aproveitou o fato para tentar prorrogar o mandato das direções vigentes, sob a alegação de que a coincidência com a eleição para prefeito e vereadores poderia “politizar” as eleições escolares. A categoria pressionou os vereadores e impediu a prorrogação dos mandatos, mantendo a realização das eleições. Mas, o governo mudou a legislação, ampliando para três anos o mandato das direções de escola, sem nenhum debate público, no início de 2007, durante o período de recesso da categoria
[3].
A segunda, envolve a criação do cargo de educador infantil, cujas/os profissionais passam a ter tratamento diferenciado com o impedimento, por parte do governo, de candidatarem-se ao cargo de direção de UMEI e escolas; e a subordinação e dependência das UMEI’s, que permite que as “escolas núcleo” indiquem a coordenação pedagógica e a vice-direção das mesmas, sem a participação das educadoras.
Após diversas lutas desse segmento, com o apoio da categoria, foi garantido em lei o direito de concorrem ao cargo de vice-direção de UMEI. Entretanto, apesar de a Lei Municipal 9.154/2006 oficializar o direito de participação das educadoras no pleito, o próprio governo impediu que elas concorressem às eleições em 2006 e, inclusive, não deu posse àquelas que ousaram entrar na justiça para participaram do pleito, e foram eleitas pelo voto direto da comunidade escolar
[4].
Em 2008, a partir da apresentação de projeto de lei que incluía as/os ocupantes do cargo de educador infantil com direito de participar das eleições de escolas e UMEIs, de várias mobilizações, abaixo-assinados e pressões, o governo cedeu, e elas/as puderam participar das eleições e tomar posse. Hoje temos XX atuando como vice-direções de UMEIs.
[1] As instâncias democráticas da escola como o Colegiado Escolar e a Assembléia Escolar foram criadas pela Portaria n.01 de 28 de dezembro de 1983.
[2] A Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte definiu em seu artigo 158 os Colegiados e as Assembléias Escolares como instâncias máximas de deliberação das escolas municipais.
[3] A alteração ocorreu através da aprovação da Emenda 20 à Lei Orgânica Municipal, em 1º de fevereiro de 2007.
[4] Após o reconhecimento da Justiça e diversas mobilizações da categoria, inclusive com apresentação de projeto de lei na Câmara Municipal, a portaria das eleições para direção das escolas municipais de 2008 incorporou as educadoras com direito de disputar a vice-direção das UMEIS.